Nossa homenagem a Nelson Petzold

08-08-2018 | Memória

Ivan Petzold - 1931 - 2018

Faleceu hoje Nelson Ivan Petzold, último integrante da dupla Bornancini&Petzold a nos deixar.

O Brasil Faz Design prestou homenagem a esses importantes designers da nossa história em 2002.

Publicamos aqui a entrevista que ele concedeu a Claudio Ferlauto, presente no catálogo da mostra daquele ano, e que foi republicada no livro Brasil Faz Design: criatividade brasileira no cenário internacional.

Ao receber um exemplar do livrono início deste ano nos enviou um email muito simpático que reproduzimos aqui juntamente com a entrevista.

Marili Brandão

Abaixo, segue transcrição da mensagem enviada quando recebeu o livro Brasil Faz Design no início deste ano.

De: Nelson Ivan Petzold
Enviada em: 10 de janeiro de 2018 11:24
Para: Marili
Assunto: RES: FOTOS | Brasil Faz Design

Bom dia Marili.

“Um resgate importante da História do Design Nacional”

Copiei o título do sumário porque é o que é!

Quisera que mais livros sobre a memória do Design, feitos com o carinho, conteúdo e qualidade do teu, fossem feitos para que os trabalhos das primeiras décadas do Design no Brasil não se perdessem.

Muito obrigado de coração e um beijo.

Petzold

BORNANCINI E PETZOLD: DESIGN E INDÚSTRIA

Supertermo para a Termolar, por Bornancini & Petzold

Supertermo para a Termolar S. A., por José Carlos Bornancini e Nelson Petzold. Foto: coleção de catálogo Termolar

Os designers José Carlos Bornancini e Nelson Petzold sempre trabalharam em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Desde que em 1973 o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York incluiu em sua coleção permanente de design o Camping Set, projeto para a Hercules, eles têm recebido merecida notoriedade nacional e internacional. Entre os principais produtos colocados no mercado, destacam-se os talheres Hercules, as tesouras Mundial e Metalcan, as garrafas térmicas Termolar, os elevadores Sûr, os fogões Wallig, os computadores Edisa e as máquinas agrícolas Massey Ferguson.

Bornancini e Petzold, respectivamente, engenheiro e arquiteto, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foram docentes e iniciaram suas atividades como consultores em design nos anos 1950. Premiados pelo IAB do Rio Grande do Sul e pelo Museu da Casa Brasileira em São Paulo, têm trabalhos publicados e inúmeras participações em exposições no Brasil e no exterior.

 

CF – O design brasileiro tem futuro?

Petzold – Por conta da tradução incorreta, porém genericamente aceita, de design por desenho ao invés de projeto, o campo da nossa atividade já foi conhecido como desenho industrial. Posteriormente, para identificar a atividade, generalizou-se a denominação inglesa design, o que resultou, por um lado, na extraordinária ampliação projetual – que hoje se estende da moda à indústria automobilística, do equipamento urbano ao artesanato e às artes gráficas –, mas que, por outro lado, estabeleceu uma considerável confusão de conceitos. Por isso, como em vezes anteriores, fazemos questão de limitar nossas opiniões sobre design à área do desenho industrial ou de Projeto de Produto Industrial, tal como definido pela Comissão do DAU-MEC, instalada em Brasília em 1978 para estabelecer o currículo mínimo para os cursos de desenho industrial, da qual participamos, Bornancini diretamente e eu indiretamente. Nesse quadro, a nossa resposta é sim. O design brasileiro tem passado, tem presente e tem muito futuro.

Um futuro do tamanho do futuro do Brasil. Sem falso ufanismo, e sim com a perspectiva de 45 anos fazendo desenho para a indústria e vendo nossa atividade mais conhecida e respeitada a cada década. Tem futuro, sim, uma vez que essa atividade tem sua importância reconhecida pelos empresários, pela indústria, pelos próprios profissionais e até pelos políticos. Ou ainda com o aperfeiçoamento vindo do ensino superior dessa atividade. Ha também necessidade da divulgação adequada dos resultados positivos da aplicação do design no meio industrial para desenvolver uma cultura de projetos de produtos junto à população, estabelecendo assim novos padrões na sua escolha e valorização do produto industrial brasileiro.

CF – Ainda falta muito para a afirmação definitiva da atividade?

Petzold – Claro que sim. Da mesma forma como faltava muito nas décadas de 1940 e 1950 para que a profissão de arquiteto fosse reconhecida por todos, o que terminou acontecendo graças ao trabalho de arquitetos pioneiros que marcaram esse reconhecimento e o respeito pela nova profissão. Agora, com o design industrial já quase liberado de antigas dependências da arquitetura, do marketing e da publicidade, com profissionais responsáveis e competentes atuando em todas as frentes, acontecerá a fase mais importante da afirmação da atividade: a conquista definitiva das cabeças que tomam as decisões da indústria. Começa o fim da época em que era muito mais fácil copiar do que criar algo novo ou do “já tentamos desenho próprio mas não deu certo”, “é muito caro contratar um designer”, assim como já acabou o “é mais fácil importar do que produzir”.

CF – O design tem, então, presente?

Petzold – O design tem sua aplicação bastante desenvolvida em determinados ramos da indústria, não em outros, pois são julgados difíceis ou sofisticados, sendo preferida a cópia de produtos estrangeiros.

CF – Quais foram as origens da formação dessa escola de design gaúcha, formalizada no trabalho de Petzold e Bornancini?

Petzold – A origem está no trabalho de Bornancini, engenheiro, e no meu, como arquiteto, professores da UFRGS, ambos detalhistas, dotados de boa sensibilidade formal e de uma vocação mecânica decisivamente voltada para a criação e inovação tecnológica. Certamente essa mescla de valores, mais as oportunidades iniciais proporcionadas pela Metalúrgica Wallig (inativa) e Metalúrgica Jackwal (até hoje cliente), formaram a origem de nossas atividades em design, que, apesar de ainda ativa, seguramente não se constitui numa escola de design gaúcha.

CF – Mas é indubitável a influência de vocês dois na formação de diversas gerações de designers gaúchos, eu mesmo fui seu aluno na Faculdade de Arquitetura nos anos 1960.

Petzold – Não consideramos nossa atividade como formadora de uma escola de design, eu diria que a origem está na nossa formação aliada a nossa atividade didática, além de fatores pessoais como uma mescla de vocação artística (sensibilidade formal) e vocação mecânica, decisivamente voltada para a criação e inovação tecnológica.

CF – E o design no Rio Grande do Sul?

Bornancini – No Rio Grande do Sul há um movimento muito tradicional. Nunca houve uma tendência pela inovação. Quando há alguns anos nos pediram na Zivi Hercules para desenhar a faca gaúcha, fomos estudar a sua história. Ela sempre foi fabricada com lâmina de ponta de espada, com os dois lados simétricos. Desenhamos então o formato pela tradição, mas a decoração fizemos baseada em temas gaúchos, e não com motivos florais, como eram as da Eberle naquela época.

CF – Quem foram os seus mestres, os orientadores? Quais as fontes de informação e de formação que forjaram essa carreira?

Petzold – Diversos mestres marcaram a nossa formação e incentivaram nossas atividades, mas a maior e mais decisiva para Bornancini foi a do arquiteto Eugen Steinhof, contratado em 1951 para ministrar o curso de Engenheiros Arquitetos da Escola de Engenharia da UFRGS. Os seus inúmeros encontros de ensino proporcionaram uma notável visão de suas experiências em diversas escolas europeias, inclusive a Bauhaus, e nos Estados Unidos, logo após a Guerra, com a nova arquitetura na Califórnia. Essa rica experiência foi dividida comigo, então estudante de arquitetura, muito impressionado com a nova atividade que o professor Steinhof chamava de a arquitetura do objeto. Por outro lado, muito aprendemos ao iniciarmos essa nova vida profissional, ao trabalhar com empresários de grande visão, conscientes, mesmo à época, de que aquela nova profissão, da qual já tinham ouvido falar ou sobre a qual já haviam lido, os ajudaria a abrir caminho para colocar seus produtos no mercado. Foi o professor Steinhof que, em uma reunião, disse ao Bornancini: “Você, Bornancini, dá para ser um arquiteto do objeto”.

CF – O que diferencia o design de vocês?

Bornancini – Uma das intenções básicas do design é criar objetos que ostentem diferenciais. Muitas vezes, pelos mais variados motivos, esses diferenciais não são conseguidos, apesar de o propósito em obtê-los estar presente o tempo todo no desenvolvimento do produto. No nosso caso, um exemplo marcante de produto que nasceu de um pequeno grande diferencial é a tesoura Softy – foi dotada de anéis macios nos olhais, que suavizam o contato dos dedos com a tesoura. Um detalhe, mas ninguém na cutelaria mundial tinha se dado conta disso. Apesar da nossa patente mundial da inovação, existem cópias dessa tesoura, feitas na China, país que até pouco tempo atrás não reconhecia direitos autorais.

CF – Que importância tem a colonização europeia e as origens platinas do estado na formação de um design brasileiro no Rio Grande do Sul?

Petzold – A colonização europeia, especialmente a italiana e a alemã, teve grande influência no design do Rio Grande do Sul por duas vertentes diferentes: a primeira, pelas ligações mantidas com as origens, geradoras de posições tecnológicas e culturais próprias e atualizadas. A segunda, por terem dado início a muitas das atividades industriais gaúchas, nos seus primórdios copiando soluções, mas pouco depois desenvolvendo ideias próprias e utilizando o design local. É o caso das empresas Todeschini, Eberle, Zivi Hercules, Jackwal, Oderich etc. Quanto à influência platina, apesar de menor, no nosso caso também se fez presente, seja através de trabalhos profissionais desenvolvidos na Argentina [indústria de fogões] e no Uruguai [ferramentaria], seja no contato com profissionais desses países, além de trabalhos com empresários de origem uruguaia estabelecidos e radicados no Rio Grande do Sul, como é o caso da Termolar.

CF – Qual seria a proposta de vocês para o design brasileiro?

Petzold – Essa questão pode ser avaliada por vários ângulos, sendo um deles a formação de profissionais competentes para projetar produtos industriais. Não apenas vestir o projeto de terceiros, mas fazê-lo inovador, seguro, confiável, para produção mais racional, mais barata, de melhor qualidade e, na medida do possível, estimulante aos sentidos e ao intelecto. Para tal, será necessário dominar os processos de fabricação, o uso adequado dos materiais e seus custos, a correta avaliação de produtos similares, se existentes no mercado, o impacto que tais processos e materiais escolhidos possam causar ao meio ambiente – enquanto em uso e após seu eventual descarte – e finalmente, para o sucesso do produto, usar o forte tempero da inspiração artística na materialização desses ingredientes em proposta formal para o objeto.

CF – Alguma ideia para o ensino das novas gerações?

Petzold – Por nossa vinculação com o ensino, sempre nos preocupou a formação do designer. Quando ainda em atividades na UFRGS, na década de 1970, antes da Comissão DAU-MEC, propusemos uma estrutura para a formação de designers industriais, quase um curso em extensão. Propusemos o curso para diplomados, preferencialmente arquitetos e engenheiros. Os currículos originais seriam complementados com disciplinas faltantes – de ordem técnica e científica para os arquitetos, e artística e projetual para os engenheiros –, ganhando- -se assim, com a experiência e a maturidade de alunos já diplomados, o reingresso de profissionais ao mercado, capacitados em projeto de produto industrial, trazendo formação mais rápida e mais sólida. Nossa proposta não foi considerada porque na época a UFRGS estava interessada somente em cursos de graduação. É claro que uma estrutura pensada para 30 anos atrás deveria hoje ser repensada. Muito mais do que então, o objeto industrial de sucesso depende, hoje, de uma cadeia multidisciplinar na qual suas características intrínsecas são somente um dos fatores de êxito. Por isso, em nossos dias, o designer deveria estar também preparado para coordenar e ajustar a difícil fase multidisciplinar, que primeiro antecede o projeto e depois o acompanha, envolvendo desde a coleta de informações junto ao mercado até o relacionamento com os diversos setores da indústria: de custos, diretoria, gerência de produto, engenharia, ferramentaria e produção. Enfim, tudo o que faz parte da concepção e do nascimento do produto, e define com que armas o designer enfrentará o mercado.

CF – E como vocês veem as novas ferramentas projetuais?

Petzold – É uma preocupação que temos, tanto na formação quanto na experiência inicial dos designers nesta atual “submissão à máquina”. Talvez por falta de uma formação mais sólida em desenho e em geometria, encantados como todos nós pelo milagre da computação e pelo poder demonstrado pelos diversos programas de modelagem tridimensional, nota-se uma nítida tendência de só fazer o que certos programas permitem, e não o que se quer fazer. Mais velho do que se andar a pé, é importante que se repita: as máquinas são nossas auxiliares, temos que pensar e resolver pelas nossas cabeças, e não pelo que um programa é ou não capaz de fazer.

Claudio Ferlauto

Professor da Universidade Anhembi Morumbi Escola de Artes, Arquitetura, Design e Moda Texto originalmente publicado no catálogo da mostra BFD 2002.

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Mario Di Pierro Advocacia

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